janeiro 03, 2007

Bond, James Bond...

A marca maior da série 007 é a frivolidade. É o desapego com que vilões há quarenta anos se diferenciam apenas pela forma como morrem. É a maneira como surgem os patrocinadores, em primeiro plano, na tela de um celular, no capô de um carro. Frivolidade é sabermos há mais de vinte filmes a maneira como James Bond pede seu martini, mas não sabermos qual o seu maior medo ou a sua maior ambição.
O personagem se construiu em cima de trejeitos. Construiu-se no humor de Roger Moore, na rigidez de Timothy Dalton, no charme de Pierce Brosnan, na ironia de Sean Connery. Faz todo o sentido chamar 007 - Cassino Royale (Casino Royale, 2006), portanto, de uma reinvenção. O vigésimo-primeiro longa-metragem da franquia apresenta Daniel Craig no papel. Por que reinvenção? Porque 007 não suga características de Craig como fez com seus cinco antecessores. É o ator que se transforma no personagem.
Pode parecer estranho falar em transformação - sempre é papel do ator, afinal, incorporar seus personagens. Mas que Bond é esse que se oferecia a Craig, além de autor de meia-dúzia de frases prontas? O que definia o espião inglês eram os cenários paradisíacos, as tralhas tecnológicas, a megalomania de seus inimigos e a beleza de suas amantes. O que há de profundamente característico do personagem dentro dessa grossa casca de adornos?
Cassino Royale se dispõe a procurar essa essência e, no caminho, elimina uma porção de frivolidades - a partir de um roteiro que conta os primeiros dias do agente no MI-6, agência secreta britânica. Na trama, Bond é o sétimo espião promovido ao status de "00", licença para matar. E tem como missão derrotar, em campos de batalha que incluem uma mesa de pôquer, Le Chiffre (Mads Mikkelsen), o financiador de uma célula terrorista.
Ego demais
Logicamente, há muita ação no filme, do tipo vertiginosa, brigas a metros de altura, pega-pega em pista de avião, prédios desabando, etc. Não se esperava outra coisa do diretor Martin Campbell (007 contra Goldeneye). A surpresa é descobrir que ele sabe dirigir também as cenas de dramaturgia. E há pelo menos cinco delas que são definidoras.
São poucas cenas, mas que bastam para desenhar a psicologia do personagem e a relação que ele mantém com os demais, em especial com a sua parceira de missão, Vesper Lynd (Eva Green). A primeira é a morte do guerrilheiro africano interpretado por Isaach De Bankolé. A esta altura do filme, Bond já havia deixado um rastro de corpos para trás, mas este é seu primeiro assassinato, em auto-defesa, na frente de Vesper. A câmera acompanha não só ato, mas também o contraplano, o rosto dela diante da morte. A bela Bond-girl já havia trocado com o herói uma série de flertes, confidências até, mas só naquele momento ela compreende a essência do "00". Da mesma forma, percebe-se no olhar de Craig que matar, ainda que pareça, não é a coisa mais natural do mundo.
Quem já assistiu a Nem tudo é o que parece sabe a cara que Craig faz: rosto inchado, vermelho, olhar perdido, veias saltadas. É um semblante de desespero velado, como assistir ao próprio processo de corrompimento. A sequência seguinte, que mostra Bond lavando os sangues das mãos diante do espelho, deve entrar para a antologia da série. São alguns segundos em que passa pela cabeça de um homem toda a sua vida, todo o caminho que ele fez para chegar até ali e todo o vislumbre do futuro próximo. Profundidade assim (no que um filme de ação permite-se ser profundo) poucas vezes se viu nos vinte filmes anteriores.
Repete-se o tempo inteiro nos bons diálogos escritos por Paul Haggis (Crash - No Limite): o novato Bond tem ego demais e isso não é bom para a profissão. Ego não é sinônimo só de vaidade aqui, mas de personalidade e, principalmente, de falibilidade. E o que assistimos aos poucos em Cassino Royale é a supressão, na marra, do ego do herói.
James Bond já se permitiu "ter ego", uma vez, em 1969. Em 007 a Serviço de Sua Majestade, um dos exemplares mais atípicos da série, ele se casou com Tracy Draco (Diana Rigg), filha de um gângster. A moça morre no final - e compreende-se, a partir daí, que 007 é um "galinha" por medo de sofer novamente. O processo de Cassino Royale não é muito diferente (isso se depreende do trailer em dois minutos). O que muda é a intensidade. A cena do salvamento pós-veneno tem um significado maior do que o simples clichê do desfibrilador, típico de situação médica. É um simbolismo emocional, de tocar o coração mesmo.
Há muita coisa no vigésimo-primeiro 007 que permanece inalterada em relação aos anteriores. As reviravoltas são inverossímeis como sempre. A intriga central continua sem fazer o menor sentido. Mas a questão aqui - isso parece frase escrita por Haggis - não é procurar respostas, mas fazer as perguntas certas. E a pergunta é: depois da sessão temos alguma noção de quem é Bond, podemos nos identificar minimamente com a sua situação, o seu drama? Sim. Agora sabemos, ao menos, o que levou o agente secreto a se tornar um bloco de frivolidade.

Retirado do Site: http://www.speculum.art.br
Autor: Marcelo Hessel


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5 comentários:

HMVA disse...

bom, fiquei ainda mais interessado em assistir esse filme, fora que na minha opinião de quem viu o trailler esse Craig está melhor que o brosnan, tem mais cara de ingLês, o outro só faltava falar com sotaque italiano eheheheha abralçao cara

Anônimo disse...

Acredita que nunca assisti nenhum James Bond. Bem, quando eu voltar do intercâmbio eu quero assistir muitos 007!!!!
Não conhecia muito, nunca tive muita curiosidade... Mas agora quero ver!
Essa crítica foi ótima, só acho que o Marcelo Hessel devia abusar dos sinônimos de frivolidade e não repetir tanto a mesma palavra num texto.
Abraço!

Anônimo disse...

Quero desde ja elogiar a critica que fizeste ao filme porque efectivamente esta excelente. A grande diferença que encontrei neste filme foi efectivamente o facto de descobrir que afinal um "00" tem sentimentos. A cena do lavar o sangue das maos em frente ao espelho notou-se um sentimento nunca antes visto nos olhos de qq outro "00". Um bom filme.

Fernanda disse...

Olha, eu não conheço os nomes dos diretores, eu não sei o nome nem dos atores, eu não faço questão de saber sobre TODOS os aspectos do filme. Eu acho que críticos de cinema como esse, são criaturas simplesmente muito, mas muito mal-amadas. Cassino Royale é um filmaço, ele queira ou não, e isso eu pude perceber sem analisar de cabo a rabo toda a série de filmes 007. Honestamente? Filme bom é aquele que proporciona diversão, ou pelo menos uma visão diferente sobre o que pretende mostrar. Um cinema que é sempre tão técnico e tão frio como a análise desse crítico foi, é um cinema tosco e sem originalidade. Frívolo é o adjetivo que eu usaria para essa crítica. Ponto final.

Abraço.

Anônimo disse...

Cara, eu gosto dos filmes do agente secreto, mas para ser sincero, nunca consegui assistir muitos dos seus filmes.
Mas fala sério hein cara, se a sua intensão era fazer os seus leitores assistirem a esse filme, eu vou te falar uma coisa hein: você conseguiu (mesmo que não tenha sido você quem escreveu o texto).
Com relação a eu andar sumido, eu tow tentando voltar cara, devagarinho, mas eu tow tentando ^.^

 

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